terça-feira, 15 de junho de 2010

Ser sujeito

"O sujeito é um ser criativo. Para definir criatividade, o melhor é citar WINNICOTT: "A pulsão criativa pode ser vista em si mesma; bem entendido, ela é indispensável ao artista que deve fazer obra de arte, mas ela está igualmente presente em cada um de nós - bebê, criança, adolescente, adulto ou velho - que pousa um olhar surpreso em tudo o que vê; ela está presente em quem faz, voluntariamente, qualquer coisa - seja uma lambuzada com seus excrementos, seja um choro intencionalmente prolongado para saborear sua musicalidade. Essa pulsão criativa aparece tanto na vida cotidiana da criança retardada, que sente prazer em respirar, quanto na inspiração do arquiteto que, de repente, sabe o que quer construir e pensa então nos materiais que poderá utilizar, a fim de que sua pulsão criativa tome forma e figura, e que o mundo possa testemunhá-la." A referência a WINNICOTT significa que não me interesso particularmente pela vontade que os grandes homens têm de transformar todas as variáveis do mundo (uma tal preocupação é a de um espírito "elitista") e que levo a sério, em compensação, a vontade de cada um de fazer mudar as coisas (pequenas e grandes) e o desejo de criar, aqui e agora, uma novidade irredutível. Os artistas não se enganaram a esse respeito. HUNDERTWASSER declara a seus alunos: "Se vieram para aprender, é ainda pior, porque vão aprender coisas que não lhes são próprias, que não correspondem a vocês e estragarão suas vidas. A única maneira de se encontrarem enquanto artistas é através de sua própria ação criadora e isso pode ser feito somente em suas casas, não na escola!" Paul KLEE escreve: "O que quero ensinar a meus alunos não é a forma fechada, imobilizada; é a formação, a gestação, o nascimento, o primeiro movimento indistinto da matéria, antes que ela se fixe em natureza morta... Quanto mais longe mergulha o olhar do artista, mais seu horizonte se alarga do presente ao passado. E mais se imprime, em lugar de uma imagem da natureza, aquela única que conta - a criação enquanto gênese." Marcel DESCHAMP exclama: "Alarguei a maneira de respirar" e o poeta Victor SEGALEN, em seus Conselhos a um viajante, assim se expressa: "Evita escolher um lugar de asilo... chegarás, meu amigo, não ao charco das alegrias imortais, mas aos remansos cheios de embriaguez do grande rio diversidade."
O sujeito é, portanto, um ser capaz, ao mesmo tempo sapiens, demens (objeto da hybris), ludens e viator, homem portanto de sabedoria e loucura, do jogo e da vagabundagem, respirando a plenos pulmões um ar salubre, dando "um sentido mais puro às palavras da tribo" (MALLARMÉ), interessando-se mais pela germinação das coisas do que pelos resultados tangíveis, inebriado pela diversidade da vida e capaz de percebê-la; portanto, homem que sabe desposar suas contradições e fazer de seus conflitos, de seus medos, de suas metamorfoses a própria condição de sua vida, sem dominar o caminho que toma nem as consequencias exatas de seus atos; homem apto a recolocar em jogo sua vida e a correr riscos."

(ENRIQUEZ, Eugène. O papel do sujeito humano da dinâmica social. In: LÉVY, André et al. Psicossociologia Análise social e intervenção. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994. p.32-33)