Nas duas extremidades de um abismo, dois seres estranhos se observam, ao longe.
Ambos parecem se interessar pelo pouco que podem ver.
- Ei, vamos construir uma ponte! – grita um deles, e ouve de volta: “Ei... vamos... uma ponte...”
Mesmo sem saber se o que escuta é mesmo uma resposta ou um eco da própria voz, acredita, e começa a construir.
Vê um vulto se movendo, ao longe, e acredita ainda mais fortemente que esse vulto também se move na mesma direção – e o movimento torna-se veloz, intenso, inabalável.
Vez ou outra, esse movimento de construção é mesmo recíproco – e os dois lados outrora separados pelo abismo se encontram no caminho, felizes por se verem juntos, no mesmo movimento de construção. Podem gostar do que agora observam de perto, e continuar a edificação, unidos. Percebem que a ponte requer sempre reformas e reconstruções, pois se abala com o tempo, com as chuvas, com pisadas mais fortes... Juntos, decidem estar sempre reconstruindo, em um trabalho que se torna leve e prazeiroso, porque é feito a quatro mãos. E a ponte se torna cada vez maior, mais bonita, mais forte.
Vez ou outra, no entanto, ocorre de um dos dois levantar a cabeça e duvidar se o outro está também interessado na construção, ou se constrói com a mesma vontade, com a mesma intensidade. Decepciona-se um pouco com o que vê... e vai, aos poucos, perdendo a vontade de construir. Percebe que essa ponte só pode ser construída a quatro mãos.
E, conforme pára de construir, o pedaço da ponte já construída começa a desabar. A vontade é o cimento. Se falta cimento, a ponte não pode mais ser construída. Toda a negação do movimento de construir passa a ser desconstrução.
O outro, lá do outro lado, pode nem se dar conta da ponte que vinha sendo construída em sua direção. Pode até, talvez, estar atarefado observando um outro estranho, do outro lado de um outro abismo.
Ou o outro pode, sim, visualizar a ponte, desde o início. Pode empenhar-se na construção... mas, vez ou outra, duvidar da parceria, achar que a ponte não está sendo construída do jeito certo, e acabar desconstruindo, em um movimento, tudo o que foi construído.
O outro pode, também, ver a movimentação em sua direção, e se sentir satisfeito que a outra pessoa esteja tão empenhada na tarefa. Sentir-se, então, liberado para cuidar de outras tarefas na sua vida. A ponte já está sendo construída pelo outro...
Um dia, ao observar a construção da ponte, pode perceber que o outro não está mais tão interessado... que o movimento é um pouco mais lento... ei! Talvez a ponte nem esteja mais sendo construída!! Talvez... ei! mas essa ponte não está menor do que deveria estar??
Talvez o outro visualize agora que a ponte precisava de quatro mãos... que deveria, sim, ter se empenhado um pouco mais na tarefa. Talvez queira construí-la, agora... mas não sabe mais como fazer. Consegue ver o outro se distanciando, vê-se inseguro, sozinho na tarefa. Sente-se abandonado. E não acredita mais que pode construir a ponte. Falta cimento.
Depois de um certo ponto em que a ponte é desfeita, os dois podem até se interessar novamente pela construção. Mas um não consegue mais visualizar o movimento do outro, e não consegue mais acreditar que o outro pode, ainda, querer construir a ponte, mesmo que de outra forma, mesmo que a passos inseguros e incertos...
E sem conseguir enxergar, nem acreditar, também não consegue mais construir. A ponte que ainda poderia ser reconstruída nunca chega a ser.
Um relacionamento é uma ponte, construída sobre um abismo.
Requer reformas e reconstruções, pois se abala com o tempo, como qualquer ponte. E pode se desconstruir facilmente em qualquer movimento de negação.
Um relacionamento é uma ponte sobre um abismo. Depende de uma engenharia primorosa desenhada a quatro mãos, muito desejo, cuidado permanente e fé inabalável.